Um dos sepultadores do Cemitério São Francisco Xavier, no Caju Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo |
Estima-se que
o rito de enterrar corpos após a morte seja uma das atividades mais antigas do
mundo. Por isso, o ato de despedir-se de alguém e deixá-lo sob a terra faz com
que o ofício do sepultador seja um dos mais longevos da humanidade. O
sepultador — o Cemitério do
Caju adota este termo em vez de “coveiro” como forma de valorizar a profissão —
Ubirajara da Silva, de 48 anos, tem muitas histórias a contar, apesar do pouco
tempo de profissão. Em dois anos, ele enterrou a mãe, vítima de um enfisema
pulmonar, a ex-mulher, que teve câncer, e um dos filhos, assassinado durante
uma briga de rua.
— A proximidade com a morte mudou a
percepção sobre ela. Hoje, sinto mais a dor das famílias. O dia em que eu
deixar esse sentimento de lado, eu vou deixar de ser humano. Não somos uma
máquina. Nós também nos emocionamos com as histórias — conta.
Ubirajara trabalha há dois anos como sepultador no Caju Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo |
Leonardo Santana, de 25 anos, trabalha como sepultador há dois.
Durante esse tempo, foram muitos os momentos onde ele precisou controlar a
emoção ou lidar com situações de desespero das famílias. Assim como ele,
dezenas de outros funcionários da necrópole lidam diariamente com a morte e
tratam do assunto com naturalidade.
— É uma profissão como outra qualquer. O
trabalho de sepultador causa estranheza em algumas pessoas, mas é preciso
desmistificar esse assunto: todo mundo vai morrer, e o cemitério não é um lugar
tão sombrio quanto pensam. Lidar com o fim de uma vida é uma grande
responsabilidade.
E para quem uma média de 15 sepultamentos
por dia, as lembranças são muitas.
— Já presenciei corpos caindo porque o
caixão quebra no meio do sepultamento, famílias que reclamam e exigem uma cova
sete palmos abaixo da terra (a profundidade normal é de 80 centímetros) e até
parentes que pegam a coroa de flores da cova ao lado e a colocam sobre a
sepultura do seu ente — conta Leonardo, destacando que, nesses dois anos, nunca
viu fantasmas no Cemitério do Caju. — Assombrações só aparecem para quem
acredita nelas, e eu, definitivamente, não creio em coisas sobrenaturais.
Há 55 anos trabalhando no Cemitério do Caju, o maior do Rio de
Janeiro, o capeleiro Vergílio Fernandes, de 80 anos, conhece cada canto da
necrópole. Segundo ele, a profissão de capeleiro veio por acaso para a sua
vida.
— Desde 1964 eu atuo nessa função, de
receber as famílias que chegam, conduzir os parentes às capelas e controlar a
saída de corpos para enterros. No início, era mais difícil lidar com a emoção;
hoje, eu sei lidar. Se vejo que vou me emocionar, me afasto e reencontro a
concentração — conta.
Em meio século, são muitas as recordações.
— O enterro que mais trouxe pessoas ao Caju
foi o do cantor Paulo Sérgio, morto em 1980. Os de Tim Maia, do técnico do
Flamengo e da seleção Cláudio Coutinho e o da Dona Neuma, considerada a
primeira-dama do samba, também tiveram grande comoção — enumera ele.
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