O ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes, indicado pelo presidente Michel Temer (PMDB) para ser juiz do Supremo Tribunal Federal (a depender da aprovação dos senadores), mentiu em seu Currículo Lattes. Lá afirmou ter cursado pós-doutorado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, ao mesmo tempo em que fez doutorado. Também pesa contra Moraes uma acusação de plágio, embora esta seja um pouco mais branda: trata-se de copiar trechos de um livro sem dar a citação específica, apesar de ter colocado o livro copiado na bibliografia de seu trabalho. O problema do doutorado e pós-doutorado, no entanto, é inegável. Impossível cursar ambos ao mesmo tempo. A mentira é clara. Por que ela aconteceu? Em poucas palavras, foi porque Moraes ficou ansioso demais para converter capital acadêmico em capital político, e assim ter mais credenciais para ser secretário de Justiça de São Paulo.
Antes de mais nada, justiça seja feita: Moraes está longe de ser o primeiro político a mentir sobre sua qualificação acadêmica. O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), dizia ser doutor em Engenharia Civil pela Universidade de Pretória, na África do Sul. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) afirmava ser mestra e doutora em Economia pela Unicamp. A ministra Carmen Lúcia, do STF, dizia ter doutorado em Direito pela USP. Todos mentiram.
São três figuras políticas bem-sucedidas. É improvável que tenham chegado a seus postos por conta de méritos acadêmicos. Não porque o país não valorize conhecimento, mas porque capital acadêmico não se converte automaticamente em capital político. Foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu quem melhor identificou esse fenômeno. É frequente a tentativa de converter capital (entendido como os recursos que certo indivíduo tem em um campo) obtido em outras áreas para o campo político. Romário, ex-atacante da seleção brasileira, é hoje senador porque obteve sucesso com essa estratégia. Transformou gols em votos.
Alexandre de Moraes não disputou eleições ainda, e provavelmente não disputará. Já pediu desfiliação do PSDB. Seu capital político é de outra natureza. Até agora, pretendeu ser reconhecido como um “quadro técnico” com lealdade política. É a combinação perfeita para ser nomeado secretário de governo estadual ou ministro. Todo governador e presidente gosta de justificar escolhas políticas com o argumento de que o nomeado é reconhecido na área de conhecimento de que a secretaria ou ministério trata.
Entre 2003 e 2006, o governador Geraldo Alckmin teve em média 37% das secretarias ocupadas por “técnicos” sem filiação partidária. José Serra, que assumiu logo em seguida, aumentou isto para 50%. No entanto, conforme aponta Ana Paula Massonetto em sua tese de doutorado defendida na FGV-SP em 2014 (“Presidencialismo estadual em São Paulo: o que une os partidos na coalizão?”), esta divisão pode enganar. Afinal, nada impede que uma pessoa seja filiada a um partido e, ao mesmo tempo, tenha credenciais técnicas.
Dada a proximidade da conclusão de seu suposto pós-doutorado (2000) com sua nomeação para a Secretaria de Justiça do governo de São Paulo (2002), é provável que Moraes tenha turbinado seu currículo acadêmico visando facilitar sua indicação política. Afinal, em um país que trata qualquer advogado como doutor, ser pós-doutor confere a Moraes mais respeito do que seus colegas de OAB merecem.
Como prevenir as mentiras de mais políticos em relação às suas formações acadêmicas? A plataforma Lattes é aberta para consulta. Basta digitar o nome, verificar o que o sujeito afirma e checar, nos sites das universidades, se o trabalho foi mesmo realizado. Muitas faculdades disponibilizam isso publicamente. Para outras, é preciso entrar em contato por telefone etc. Políticos sempre mentirão. Mais do que nunca, bom jornalismo é necessário para desmascará-los.
Do Exame
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